Um vídeo que circulou nas redes sociais neste fim de semana mostrava duas pessoas sentadas diante de uma mesa, paramentadas como funcionárias de saúde e cercadas por insumos e testes para identificação do novo coronavírus. A cena, porém, não foi gravada num hospital ou posto de saúde, mas na recepção de uma festa em Brasília.
Segundo a narração do vídeo, convidados só poderiam entrar se o resultado do teste, que sai em poucos minutos, fosse negativo.
O problema é que os testes rápidos usados mostram se a pessoa tem ou não anticorpos para o vírus. Ou seja: se os admitidos tiveram resultado negativo no teste, isso quer dizer que não tiveram contato com o vírus, e, portanto, estavam suscetíveis a contrair a doença.
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Em um dos vídeos, uma convidada comemora o resultado negativo. Em outro, aparece a legenda "Vamos curtir com segurança" e um emoji sorridente.
Diferentemente da interpretação que aparece nos vídeos, o teste rápido não dá um diagnóstico para a doença. E pior: a eficácia dele é baixa.
"A gente demora de 12 a 15 dias para ter o anticorpo [relativo ao coronavírus] no sangue. Podemos estar contaminados, transmitindo o vírus e sem sintoma, e o teste rápido não detecta", diz Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência.
Ela explica que o teste rápido utilizado acusa a existência de dois tipos de anticorpos para quem já teve contato com o vírus: o IgM, que pode ser detectado quando a infecção é recente, e o IgG, um tipo de longa duração.
A concentração alta do IgM no início da infecção vai diminuindo e dando espaço ao IgG. O teste pode acusar a presença de um ou de ambos.
Segundo Pasternak, no entanto, alguns estudos sobre o Sars-Cov-2 indicam que, após 60 dias, a concentração de IgG para o vírus abaixa a um nível que o teste rápido não tem sensibilidade suficiente para detectar.
Ela ressalta que essa baixa concentração de anticorpo IgG não significa que a pessoa perdeu a imunidade. Ainda não foram detectados casos de reinfecção pelo novo coronavírus.
"Reunir pessoas nesse momento já é errado, usar os testes poucos confiáveis também. Se foi usado com essa interpretação equivocada, liberando quem teve o resultado negativo, é pior ainda", afirma Pasternak. "Esses testes são úteis para estudos epidemiológicos, não para diagnóstico. Não deveriam ser vendidos em farmácias jamais."
O perfil de Fabianne Fonseca no Instagram, que teria organizado a festa e foi marcada em um dos vídeos, foi apagado. A reportagem tentou entrar em contato com ela, inclusive por meio de uma amiga, também presente na festa, mas não recebeu resposta.