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Entenda por que armar a população pode minar a democracia no Brasil

Renata Galf e Géssica Brandino - Folhapress
06 mar 2021 às 16:10
- Pixabay
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Em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o ministro do STF Edson Fachin citou o incentivo às armas e, por consequência, à violência como um dos sintomas de um processo de corrupção da democracia no país.


A pauta armamentista é uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro, que tem o histórico marcado por falas de incentivo à violência.
Em 2020, mais de 180 mil novas armas foram registradas na Polícia Federal. Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, novos registros concedidos pela PF para posse já haviam registrado aumento de 48% –de 47,6 mil em 2018 para 70,8 mil em 11 meses de 2019. O número já era recorde ao menos desde 1997.

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Além disso, uma série de discursos do atual presidente e de seus filhos aponta que a família Bolsonaro minimizou, ao longo dos anos, a gravidade das ações de milícias –além de ter defendido e exaltado policiais suspeitos de atuação criminosa nesses grupos.

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Para especialistas, defender a atuação de milícias é uma negação do Estado moderno e da democracia.*

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De que modo o incentivo à ampliação do armamento pode minar a democracia?


Em geral, costuma-se defender o armamento com base em duas razões principais: a garantia de defesa do cidadão contra criminosos e o respeito a um direito individual.

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Bolsonaro passou a relacionar o acesso a armas à democracia, argumentando que só com armas a população poderia resistir a uma ditadura.


"Povo armado jamais será escravizado", disse, na reunião ministerial de abril de 2020. Pesquisa Datafolha feita no mês seguinte mostrou rejeição de 72% dos entrevistados a essa afirmação.

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Propagar a resistência contra uma suposta ameaça de tirania do Estado é justificativa importada dos EUA, onde o aspecto está na base da Segunda Emenda da Constituição, que dá a milícias o direito de portar armas para garantir a segurança de um Estado livre.
Embora as circunstâncias tenham mudado muito desde 1791, quando o texto foi escrito, o conceito é repetido à exaustão por armamentistas.


O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP Bruno Paes Manso diz que há no discurso de Bolsonaro uma negação do Estado moderno, em que o monopólio do uso da força está nas mãos do governo, que a exerce por meio de suas forças policiais –conforme prevê a Constituição.

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"Em vez de fortalecer as polícias e controlar os excessos, você entregar armas para o cidadão fazer o papel de polícia é desacreditar o papel do Estado moderno de buscar exercer o monopólio legítimo da força em defesa de um contrato coletivo [a Constituição]."


Para a presidente do Instituto Liberal do Nordeste, Catarina Rochamonte, o problema não são as armas para defesa pessoal, mas ampliar a presença de armas num momento de grave crise sanitária e econômica –o que acabaria por beneficiar grupos fanáticos.

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"Me parece muito provável que as pessoas que vão se armar são as que se aliam a Bolsonaro, e não as que querem se proteger. Não é momento de armar a população, mas de vacinar e resolver o problema da pandemia", diz.


Paes Manso ressalta que a situação das milícias e da violência no Rio de Janeiro é emblemática nesse debate. "Você tem 700 comunidades, onde a República não chega, porque são grupos fortemente armados, uma espécie de subprefeituras armadas."

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Legitimar tais grupos é mais um fator de descrença no papel do Estado, diz ele. "Há semelhanças ideológicas do Bolsonaro com os paramilitares e os milicianos, que acreditam que o Estado de Direito não presta, a Constituição e as leis não servem, atrapalham a polícia e os militares em guerra."


Uma ligação suspeita era a do senador Flávio Bolsonaro, primogênito do presidente, com o ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, que morreu em 2020 e acusado de comandar a mais antiga milícia do Rio.


Citado nas investigações sobre o esquema das "rachadinhas", Nóbrega foi condecorado por Flávio com a Medalha Tiradentes em 2005, enquanto estava detido preventivamente acusado de homicídio.


A polícia investiga se os acusados pelo Ministério Público pela morte de Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em 2018, têm ligação com uma quadrilha de matadores da qual Nóbrega é suspeito de integrar.


Considerando que o Brasil possui o Estatuto do Desarmamento, o que representam as investidas de Bolsonaro a favor da ampliação do uso de armas?


Para especialistas, o governo não poderia implementar um elevado grau de mudanças por meio de decretos e portarias, porque isso desmonta a legislação atual sem passar pela discussão legislativa.


"O Estatuto do Desarmamento é uma lei federal, e uma lei tem que tramitar no Congresso. Se você quer mudanças estruturais na política de controle de armas, é preciso mudar a lei. O que Bolsonaro vem fazendo é jogar o jogo infralegal", aponta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.


"Não é possível fazer decreto sobre qualquer coisa. Se fosse assim, a gente voltaria às ditaduras. Esse não foi o modelo que a gente quis construir enquanto sociedade", acrescenta Sheila de Carvalho, advogada de direitos humanos e integrante da Uneafro e da Coalizão Negra por Direitos.


Para Carolina, essa estratégia gera um esgarçamento na relação entre os Poderes e tem um impacto nas instituições democráticas.


Quais as principais medidas de Bolsonaro para facilitar o acesso a armas no Brasil?


Entre medidas adotadas em decretos estão a ampliação das categorias que podem ter porte e posse e o aumento do número de armas e munições que podem ser compradas.


Na última leva de flexibilizações, além de facilitar trâmites para a aquisição, os decretos aumentam de quatro para seis o limite de armas de fogo de uso permitido que um cidadão pode comprar.


Bolsonaro também agiu de modo a dificultar investigações criminais no país. Em março de 2020, ele determinou que três portarias do Exército que buscavam aprimorar o rastreamento e identificação de armas e munições fossem revogadas.


O Exército apresentou ao menos quatro justificativas para a revogação –que, na visão de especialistas, reforçam a percepção de que a medida foi uma atitude política.


Carolina Ricardo destaca que o aumento legal de circulação de armas também estimula o ilegal, por meio de crimes e desvios.


Entre os grupos que tiveram acesso facilitado estão os chamados CACs (colecionadores, atiradores e caçadores). Segundo Paes Manso, como é fácil se registrar como colecionador e caçador, Bolsonaro acaba estigmatizando esse grupo como porta de entrada da arma que será desviada para o crime.


"São decretos que favorizam grupos paramilitares. Por qual razão uma pessoa teria seis armas em casa, um número tão substancial de armamento, se não fosse para ser usado em atividade escusa e potencialmente criminosa?", diz Sheila.


É possível traçar paralelos entre o avanço dos homicídios em 2020 e o maior armamento nacional?


Em 2020, o país registrou um aumento nos crimes violentos após dois anos de queda.


"Nosso maior desafio é tentar controlar e reduzir homicídios. E mais de 60% têm sido por arma de fogo. Quando você coloca gasolina nessa fogueira em chamas altas é um problema obviamente fadado a crescer", diz Paes Manso.


Carolina Ricardo afirma que as razões da queda ou do crescimento dos homicídios nunca são únicas. "Mas todas as evidências e pesquisas mostram que mais armas, mais crimes, mais mortes por arma de fogo. A gente está colhendo frutos desse aumento."


Sheila destaca que o país não conseguiu estabelecer uma democracia sólida desde a Constituição de 1988, e a violência é um indicativo disso.


"Uma análise desses dados de violência mostra que a gente não vive um retrocesso, mas uma contínua ascensão", afirma. "Quando vamos pensar a redemocratização, a gente fez um acordo com a violência."


O que está por trás da insistência do governo em aprovar o chamado excludente de ilicitude?


A primeira tentativa de aprovação foi em 2019, quanto o então ministro da Justiça Sergio Moro apresentou o pacote anticrime. A proposta tem como objetivo livrar de punição agentes que matem em serviço por "medo, surpresa ou violenta emoção". À época, o excludente de ilicitude foi barrado pelo Congresso.


Em fevereiro, a proposta para militares em operações de Garantia da Lei e da Ordem integrou a lista de pautas prioritárias entregue aos presidentes da Câmara e do Senado.


Para o professor de direito da UFBA Samuel Vida, Bolsonaro usa a temática da segurança pública como mote para desenvolver uma campanha permanente para acirrar o populismo punitivista.


"O excludente de ilicitude busca legalizar práticas policiais criminosas, estabelecendo uma espécie de carta branca para matar marginalizados."


Todos os dias, ao menos duas crianças e adolescentes morrem pela polícia no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número vem crescendo: em 2017, representavam 5% do total das mortes violentas nessa faixa etária; em 2020, foram 16%.
Além disso, segundo o Fórum, oito em cada dez suspeitos em óbito pelas forças de segurança são negros.


O projeto de lei que busca regulamentar as polícias vai no sentido de reforçar a militarização. Qual pode ser o impacto dessa medida?


Está em debate no Congresso um projeto de lei que altera a lei orgânica da PM. Uma das mudanças pretendidas é a criação de um patamar hierárquico de general, inspirado na estrutura das Forças Armadas. As mudanças implicam redução do poder dos governadores, que hoje escolhem os comandantes-gerais das corporações –estes passariam a ter mandato fixo.


Paes Manso reforça que um desafio do Brasil é como exercer um controle político efetivo sobre as polícias, de modo a evitar o processo de formação de milícias e de quadrilhas paramilitares. O projeto, no seu entendimento, acabaria por fragilizar ainda mais o controle sobre as polícias.


Para Vera Karam, professora de direito constitucional da UFPR, o projeto vai na contramão do que seria desejável.


"Deveríamos pensar na desmilitarização das polícias, o Brasil é um dos poucos países que têm Polícia Militar. Fazer a segurança pública é necessário e relevante, mas a polícia não tem que ser militarizada."


Atos normativos sobre armas e munições no governo Bolsonaro


14
Decretos presidenciais publicados


Situação
4 em vigor, mas 3 tiveram parte do texto alterado por novos decretos
4 entrarão em vigor em abril
6 revogados por novos decretos


15
Portarias publicadas por Exército, Polícia Federal, Ministérios da Justiça e da Defesa


Situação
10 em vigor, mas 1 teve parte do texto alterado por novas portarias
4 revogadas por novas portarias
1 suspensa por decisão de primeira instância


1
Resolução publicada pela Câmara de Comércio Exterior (Ministério da Economia)


Situação
Suspensa por liminar


2
Projetos de Lei de autoria do Executivo


Situação
PL 3723/2019 Aprovado pela Câmara em nov.2019, aguarda apreciação pelo Senado
PL 6438/2019 Está na Câmara e aguarda a designação de relator em duas comissões e parecer do relator em outra


Pontos abordados nos atos normativos


Decretos
estendem as categorias que podem ter porte e posse de armas e aumentam o número de armas e munições compradas, inclusive para CAC (colecionador, atirador e caçador)
aumentam a validade do porte de arma de cinco para dez anos
regulam a fiscalização de produtos controlados pelo Exército


Portarias
ampliam o número de munições compradas por quem tem posse e porte de armas;
foram criadas portarias e revogadas sobre rastreamento, identificação e marcação de armas e munições;
autorizam e regulamen-tam uso de arma de fogo para policiais federais aposentados
abordam o rastreamento e marcação de armas da Força Nacional
definem as armas de uso restrito e permitido


Resolução
Zera imposto de importação de revólveres e pistolas

Projetos de Lei
Tratam de posse, porte e comerciali- zação de arma de fogo por civis
Ao longo do mandato, o presidente Jair Bolsonaro publicou mais de 30 decretos e normas para ampliar o acesso a armas de fogo no país. Também revogou medidas que poderiam melhorar a fiscalização e, com isso, a investigação de crimes. Parte dessas iniciativas, entretanto, foi barrada ou amenizada por Judiciário e Legislativo. Especialistas apontam que as medidas alteram de maneira significativa o estabelecido pelo Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, e que o aumento de armas em circulação no mercado legal e medidas que afetam a fiscalização alimentam o mercado ilegal desses equipamentos.


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