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Ferida profunda

Medidas antirracismo no futebol são pouco efetivas e podem expor atletas

Folhapress
02 mar 2020 às 09:21
- Reprodução/Instagram
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Criado para dar mais poder ao jogador ofendido numa partida, o protocolo contra o racismo da Uefa (união das entidades europeias de futebol) pode piorar a situação, como aconteceu com o atacante malinês Moussa Marega, do Porto (POR), no dia 15 de fevereiro.

Ofendido pela torcida na casa do adversário, o Vitória de Guimarães, ele quis deixar o campo, direito garantido pelas regras da entidade esportiva. Mas se viu cercado e até pressionado por colegas de equipe que tentavam convencê-lo do contrário.

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"Os jogadores precisam combinar antes de entrar no campo como vão reagir caso aconteça algo, para não chegar a uma situação estúpida como a do jogo do Porto", diz Raymond Beaard, da FIFPro, federação europeia de profissionais de futebol.

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A entidade está se reunindo com os atletas para explicar seus direitos e orientá-los a debater com antecedência que atitude tomar. "Não há escolha melhor ou pior, mas tem que haver coesão do time", afirma.

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É uma medida apenas paliativa, segundo Beaard, já que, quando o protocolo é aplicado, o racismo já se manifestou. As regras da entidade europeia seguem três etapas. Na primeira, o juiz interrompe o jogo e os alto-falantes pedem que os torcedores parem com as ofensas racistas.


Se houver reincidência, a partida é suspensa, e os jogadores podem decidir se saem de campo ou não. É aqui que o consenso prévio pode ajudar.

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O último passo é cancelar a partida, com possível perda de pontos para a equipe ofensora, além das sanções já previstas pela Uefa, como multas, perda de mando de jogo e suspensões.


Mas dificilmente os árbitros chegam à medida mais extrema, o que reduz a eficácia da regra, segundo entidades que trabalham pela igualdade no futebol.

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"Isso acontece porque os juízes também não recebem apoio suficiente das entidades do futebol. Como já são muito visados, a pressão de tomar uma decisão drástica fica muito forte", diz a historiadora Brenda Elsey, da Fare, rede de entidades que combatem a discriminação no futebol.


"Se o juiz não reage imediatamente assim que acontecem as ofensas, o regulamento pode ser bem feito, mas inútil", acrescenta Beaard.
De fato, apesar de dados da Uefa mostrarem aumento nas punições por discriminação nos últimos três anos, também cresceram os relatos de racismo nos jogos de futebol.

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Na Inglaterra, a organização Kick it Out registrou alta de 67% nas queixas de jogadores profissionais na temporada 2018/2019, com 184 denúncias.


Para Beaard, que acompanha a situação há dez anos, os casos ficaram mais visíveis nos últimos quatro. Parte se deve à iniciativa dos jogadores de falar mais abertamente sobre o tema, mas as ofensas também se agravaram, diz o membro da FIFPro.

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"Sentimentos e discursos nacionalistas estão sendo tolerados ou até incentivados em vários países da Europa e permeiam a sociedade toda, inclusive o futebol", afirma.


Segundo a Kick It Out, "há uma atmosfera de ódio crescente e tribalização no mundo todo. O discurso polarizado e ofensivo foi normalizado".

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Para a pesquisadora da Rede Europeia Contra o Racismo (Enar) Juliana Santos Wahlgren, as soluções apresentadas até agora "são placebo".


"As entidades partem do princípio de que o racismo é individual. Um torcedor agindo contra um jogador. Mas ele é estrutural. É um indivíduo sendo excluído ou tratado de forma desigual porque todo o seu grupo, o dos negros, é visto com preconceito", diz.


Ainda que punições não sejam suficientes para eliminar preconceitos enraizados, a pesquisadora as considera indispensáveis para mostrar que o racismo não será tolerado. Algo ainda distante da realidade, segundo ela.


"Quando acontece alguma reação, é diluída, porque acham o problema pequeno comparado ao que o jogo traz de benefício financeiro." Ao não agirem, as próprias entidades cometem "racismo por omissão", diz Juliana.


"Quantos jogadores levaram banana, pedrada, foram chamados de macaco, enquanto o clube preferiu olhar para o outro lado?", questiona.


Ex-jogador da seleção holandesa, o meia-campista Edgar Davids descreve o racismo no futebol como "uma ferida muito profunda que precisa ser desinfetada".


"Não acontece só nas grandes ligas. Fica visível ali, mas começa nas manhãs de domingo, nos jogos de crianças de sete anos, principalmente por causa dos pais", diz.


Os dados da Kick it Off mostram que também nas categorias de base cresceram as denúncias de racismo na temporada de 2018/2019, em relação ao ano anterior.


Foram 90 casos só na Inglaterra, uma alta de 10%.


Se medidas feitas para ajudar podem acabar atrapalhando, neste mês a situação inversa aconteceu na Holanda.
Um episódio de racismo explícito levou o governo a anunciar um plano de 20 ações e 14 milhões de euros (cerca de R$ 70 milhões) para combater a discriminação nos próximos três anos.


O estopim foi o ataque ao jogador holandês Ahmad Mendes Moreira, 24, do Excelsior, chamado repetidamente de "câncer negro" por torcedores do rival Den Bosch, num jogo da segunda divisão.


O plano vai instalar câmeras e usar inteligência artificial em jogos profissionais e da base e um aplicativo permitirá denúncias dos torcedores durante a partida, com ação imediata da polícia.


Foi criada uma procuradoria especial para racismo, com o objetivo de aumentar o número de processos: hoje, só 1 de cada 20 queixas chega à Justiça. O banimento de racistas dos estádios vai dobrar de 5 para 10 anos, a suspensão de jogadores será mais longa e clubes que não lutarem contra o preconceito podem perder pontos e receita.


A Federação Holandesa de Futebol também reconheceu que "é branca demais" e precisa aumentar sua diversidade.


"Praticamente todos os dirigentes europeus hoje são brancos e mais velhos, e não compreendem bem o que se passa com os jogadores jovens e negros", diz Beaard.


Mas "ainda que todos os ofensores sejam presos e punidos e que as torcidas se calem, os jogadores continuam expostos", diz Brenda, que vê o preconceito aflorando com mais força nas redes sociais.


Ofensas que continuam fora dos holofotes, como as homofóbicas e as agressões verbais contra mulheres, também preocupam a historiadora.

"Há um aumento da visibilidade sobre o racismo, e isso é ótimo, mas o preconceito precisa ser tratado em todas as áreas", afirma ela.


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