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Tragédia

Fogo no Pantanal destrói maior refúgio mundial de araras-azuis

Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida - Folhapress
17 ago 2020 às 11:25
- Reprodução/Pixabay
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No céu sem nuvens tingido de fumaça, dezenas de araras-azuis interrompem o tradicional voo em linha reta para se desviar das chamas que encolhem o seu mundo.


Inclemente, o incêndio no Pantanal está devastando a fazenda São Francisco do Perigara, santuário que concentra 15% da população livre da espécie, ameaçada de extinção.

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Localizada a 150 km em linha reta de Cuiabá, a propriedade rural, considerada o maior refúgio mundial da arara-azul, já perdeu ao menos 70% dos cerca de 25 mil hectares, quase tudo vegetação nativa. No Pantanal, o fogo neste ano consumiu 1,5 milhão de hectares, ou 10% de sua área.

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"No período das chuvas, no início do ano, a fazenda não teve a inundação normal, o Pantanal estava seco", afirmou, via WhatsApp, Ana Maria Barretto, sobre a propriedade adquirida pela sua família em 1960. "Esse cenário de seca descomunal, ventos e calor gerou um desastre sem precedentes."

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Descontrolado, o fogo ameaça um esforço de décadas de preservação da espécie na fazenda, resultado do empenho da família Barretto, hoje representada pelas irmãs Ana Maria e Ignez, e de uma aliança com pesquisadores ligados ao Instituto Arara Azul, que monitoram as aves ali desde 2001.


O instituto estima que haja 6.000 araras-azuis na natureza, dos quais 700 estão na fazenda São Francisco. Afetada pelo tráfico e pela degradação do habitat, a espécie é a maior entre os psitacídeos, família que reúne também papagaios e periquitos. Chega a um metro da ponta do bico à cauda e pesa até 1,3 kg.

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A ave está classificada como vulnerável pela IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza, na sigla em inglês). A boa notícia é que, em dezembro de 2014, deixou o Livro Vermelho de Espécies Ameaçadas de Extinção do Brasil.


O motivo da concentração na fazenda é contraintuitivo. Em geral vilã do meio ambiente, a pecuária praticada ali interage de forma positiva com as araras-azuis. Antes das queimadas, era comum vê-las perto dos bois, para se alimentar.

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"O gado vai pra mata, pega o acuri, come a polpa e deixa o fruto disperso no chão, comido pelas araras. Não existe outra concentração tão grande de araras-azuis porque a forma como eles trabalham o gado faz essa associação", diz a bióloga Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul.


O problema agora é que maior parte dessas palmeiras já foi consumida pelo fogo, tanto na fazenda São Francisco quanto em áreas vizinhas. É o caso da Terra Indígena Perigara, do povo bororo, onde todos os 11 mil hectares foram queimados.

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Outra área devastada é a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal. O fogo, incontrolado, já queimou cerca de um terço dos 108 mil hectares. Para chegar até a fazenda de carro, é preciso atravessá-la.


Nada ali indica que se trata da maior planície inundável do planeta. A poeira erguida pelo vento e a vegetação queimada, incluindo centenas de acuris, compõem uma paisagem desoladora. Os troncos em brasa lembram que a crise está longe do fim -as chuvas regulares só voltam em outubro.

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O impacto na fauna é enorme. Um bando de dez macacos-prego jazem no chão, calcinados lado a lado. Um veado que morreu na terra arrasada atraía urubus. Debilitados e magros, outro veado, jovem, e um cachorro-do-mato usaram as últimas forças para tentar se esconder da nossa presença humana.


"Certamente, afetará a oferta de alimentos", afirma Guedes, professora da Uniderp (Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal), em Campo Grande.

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Ninhais


Com muito esforço, o Corpo de Bombeiros de Mato Grosso e os funcionários da fazenda conseguiram, até agora, salvar tanto ninhos naturais, localizados nos troncos macios da árvore da espécie manduvi, quanto artificiais, instalados pelos pesquisadores do instituto.


Um importante ninhal agora é uma ilha cercada de vegetação queimada. Os bombeiros e os funcionários da fazenda isolaram a área por por meio de aceiros (faixas de terra exposta abertas com trator) e da técnica do contrafogo, em que a vegetação próxima é incendiada de propósito durante a noite, quando o fogo é mais brando.


"Com relação à reprodução, as poucas cavidades que restarem serão altamente disputadas e ocupadas por abelhas, o que afetará o sucesso reprodutivo das aves na região. Além das araras-azuis, ao longo dos anos foram registrados a reprodução das araras-vermelhas, ararinha de colar, tucanos, gaviões, corujas, urubus, pato-do-mato e mais 15 espécies", afirma Guedes.


Outro lugar a salvo do fogo é a sede da fazenda, aonde dezenas de araras-azuis e papagaios chegam no final da tarde para dormir nas palmeiras. De início, fazem grande algazarra, mas ficam em silêncio à noite. Acordam por volta das 5h30, em nova algazarra, e partem em busca de comida.


Nesta semana, quatro bombeiros vindos de Cuiabá e três brigadistas do Sesc Pantanal, além dos funcionários da fazenda, combatiam as chamas. Sob um calor de até 40º C e uma fumaça onipresente, o esforço era para controlar o avanço da linha de fogo. Na sexta-feira (13), a jornada durou 14 horas, das 6h às 20h. Mesmo assim, não evitaram que mais dezenas de hectares queimassem.


"O vento é o maior vilão", afirma o 2º sargento do Corpo de Bombeiro Rogerio Perdigão, 45, que comparou o trabalho a enxugar gelo. Ele diz que nunca havia vivido uma situação parecida ao longo de 17 anos na corporação.

"Não tinha um vento forte, mas a brasa atravessou cerca de 400 metros, caiu num determinado ponto, surgiu a chama, abriu-se e foi-se embora. Se me falassem, eu não acreditaria."


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